Quando assumiu o ministério da economia, Paulo Guedesfoi taxativo em afirmar que o Mercosul não seria prioridade do novo Governo. Por ironia, é o acordo entre o bloco dos países do Sul e a União Europeia que acaba de se tornar a primeira grande vitória durante o Governo Bolsonaro. A expectativa de ganhos de até 125 bilhões de reais para a economia brasileira em 15 anos calou, ao menos neste primeiro momento, as críticas à performance econômica do Governo federal. “É o fim do isolamento do Mercosul e do Brasil”, comemora o ex-embaixador Rubens Barbosa, diretor-presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). Para ele, o acordo que levou 20 anos para ser concretizado é um marco na história de ambos os blocos e tem um valor simbólico muito importante do ponto de vista político. “Nos últimos 10 anos, assinamos acordos com Israel, Argentina e Egito. A União Europeia só assinou um acordo, com Japão”, diz.
Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV e colunista do EL PAÍS Brasil, concorda que, ainda que nem todos os detalhes do acordo tenham sido revelados, o pacto selado pelos dois blocos possui um grande valor simbólico e dá um novo rumo ao Mercosul. O bloco, que viveu tempos de glória com os governos de esquerda na última década, vinha sendo esvaziado. Em abril, os países que compõe o bloco suspenderam a eleição direta de seus deputados no Parlasul —nos moldes do que ocorre na UE. Os presidentes de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai acordaram que não valia a pena investir em novos instrumentos de representação e que os recursos deveriam ser destinados a investimentos sociais. O bloco ia perdendo o sentido. "Desde a sua criação, o bloco sul-americano fechou poucos acordos relevantes. Sem esse pacto com a UE, o Mercosul tinha muito pouco para mostrar", afirma Stuenkel.
“Esse acordo pode representar o passaporte para o Brasil entrar na liga das grandes economias do comércio internacional", diz em nota o presidente daConfederação Nacional das Indústrias (CNI), Robson Braga de Andrade. De acordo com ele, o acordo "cria novas oportunidades de exportação devido à redução de tarifas europeias, ao mesmo tempo que abre o mercado brasileiro para produtos e serviços europeus, o que exigirá do Brasil aprofundamento das reformas domésticas".
Mesmo sem muita vontade política, e com o ceticismo inicial do Governo brasileiro, fatores externos fizeram com que a UE entendesse que este era o momento de tirar o acordo do papel. A guerra comercial entre China e Estados Unidos, somada às incertezas de um Brexit duro e à estagnação comercial de alguns mercados europeus, fizeram com que a UE sentisse que era preciso consolidar parcerias. "Para a Europa é um sinal interessante de repúdio à política protecionista de Donald Trump", diz Stuenkel.
O professor destaca ainda que o timing da assinatura deve favorecer o presidente argentino Maurício Macri, que deve usar o acordo histórico em sua campanha à reeleição. "Se não fossem as políticas do Governo brasileiro, essa aproximação comercial poderia migrar para a política também. Mas há muitas divergências ideológicas com o Brasil".
Quem ganha e quem perde?
Analistas ouvidos pelo EL PAÍS concordam que, à primeira vista, o acordo é uma conquista importante, afinal, hoje, apenas 24% das exportações brasileirasentram livres de tributos no bloco europeu. Já com o acordo, mais de 90% das exportações do país terão suas tarifas de importação da UE zeradas, em um período de até dez anos. Os 10% restantes entrarão em um regime preferencial, com cotas e reduções parciais de tarifas. Essas cotas funcionam como uma medida protetiva para setores estratégicos dos blocos, nos quais são determinados volumes máximos que podem ser exportados dentro de determinadas tarifas.
O acordo determina, por exemplo, que produtos agrícolas como suco de laranja, frutas (melões, melancias, laranjas, limões, entre outras), café solúvel, peixes, crustáceos e óleos vegetais terão as tarifas eliminadas. Mas os exportadores brasileiros entrarão em um regime de cotas na venda de carnes bovina, suína e de aves, açúcar, etanol, arroz, ovos e mel. Mas não se sabe ainda detalhes dessas cotas.
Na produção industrial, por outro lado, o acordo prevê eliminação de tarifa de 100% dos produtos. A CNI explica que reduz, por exemplo, de 17% para zero as tarifas de importação de produtos brasileiros como calçados e aumenta a competitividade de bens industriais em setores como têxtil, químicos, autopeças, madeireiro e aeronáutico. De acordo com estudo da entidade, dos 1.101 produtos que o Brasil tem condições de exportar para a UE, 68% enfrentam tarifas de importação ou cotas.
Mas nem todos estão confortáveis em comemorar. Patrícia Gomes, diretora executiva de mercado externo da Associação Brasileira de Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), afirma que a entidade não foi convidada para participar da reunião que trataria da última rodada do acordo, como teria acontecido com representantes do setor agrícola. “Ainda não tenha muita informação, sempre foi uma negociação difícil para máquinas e equipamentos porque temos um déficit grande com a UE. Queremos saber quais as oportunidades e os riscos, que podem ser minimizados se houver uma agenda de competitividade para o setor”, afirma.
Stuenkel discorda dos críticos que alegam que o novo acordo pode dificultar a industrialização brasileira. Ele acredita que como os brasileiros conseguirão importar insumos mais baratos, tornando assim mais competitivos os produtos brasileiros. "Obviamente, é necessário cautela, mas em princípio, as novas regras vão trazer dinamismo e novas possibilidades para a economia brasileira. Para a inovação também será positivo. Hoje a falta de inovação no país esbarra na dificuldade de conseguir produtos que venham de fora em uma economia bastante protegida".
O acordo ainda terá que ser aprovado pelo Congresso Nacional no Brasil, nos outros países do Mercosul (Argentina, Paraguai e Uruguai) e em votação no Parlamento Europeu.
EL PAÍS
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